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Ferreira & Chaves

Recuperação Judicial: aspectos relevantes da regulação jurisprudencial

A Recuperação Judicial (RJ) é um instituto regulado pela Lei n° 11.101/2005 e ancorado no princípio da preservação da empresa. A ideia é que a empresa tenha meios de se reestruturar em um contexto de crise financeira, a fim de garantir também os empregos e a movimentação de mercado a ela vinculados.


Ocorre que esse instituto não é simples. Além de ser acionado em um contexto já delicado de crise, é necessário que sejam ouvidos os credores, que muitas vezes terão seus créditos submetidos a grandes deságios. Também é importante assegurar a devida participação de diferentes classes de credores: desde uma grande empresa parceira, até um único trabalhador empregado pela recuperanda.


Por causa dessa complexidade, a própria regulação da RJ não pode ser analisada somente pelo prisma da Lei n° 11.101/2005, recentemente alterada pela Lei n° 14.112/2020, mas deve levar em consideração também o posicionamento cristalizado pelos tribunais superiores.

Uma das questões mais controversas acerca desse instituto é a sujeição dos créditos ao processo recuperacional. Essa questão é definida nos termos do artigo 49, da Lei n° 11.101/2005, segundo o qual estão sujeitos à RJ todos os créditos existentes na data de seu pedido. O próprio texto legal, contudo, se incumbiu de incluir os créditos não vencidos nesse rol de sujeição.


Essa inclusão surgiu como resposta a algumas discussões específicas no âmbito do instituto da recuperação judicial. Com isso, caso seja formalizado pedido de RJ entre a assinatura de eventual contrato e a data prevista para seu vencimento, por exemplo, esse crédito estará sujeito ao processo recuperacional.


Nesse sentido, compreendeu-se jurisprudencialmente que a existência do crédito não está vinculada ao vencimento da obrigação, mas ao seu fato gerador. O Tema Repetitivo n° 1.051, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou esse entendimento, ao expressamente determinar que, para fins de submissão à RJ, considera-se existente o crédito a partir da data de ocorrência de seu fato gerador.


Na prática, o que se verificou foi também uma resposta aos casos concretos em que créditos decorrentes de indenização, por exemplo, eram reconhecidos judicialmente apenas após o pedido recuperacional. Nesses casos concretos, se o fato gerador que deu ensejo à judicialização (dano material ou moral, por exemplo) for anterior ao pedido, não é relevante a data da sentença, o crédito estará sujeito à RJ.

Outro artigo da Lei n° 11.101, cuja especificação coube ao STJ, foi o 59, que prevê a novação dos créditos na RJ. Conforme inteligência desse artigo, o Plano de Recuperação Judicial (PRJ), aprovado na Assembleia Geral de Credores (AGC), implica na novação dos créditos e obriga todos os credores a ele sujeitos.


Ocorre que, mais uma vez, o próprio dispositivo legal fez questão de delimitar sua incidência ao prever que essa novação não prejudicaria as garantias reais, que somente podem ser suprimidas ou substituídas com a aprovação expressa do credor, conforme previsão do § 1°, do artigo 50, da mesma lei.

Entretanto, o STJ novamente precisou intervir na discussão acerca da possibilidade de a novação de crédito atingir os coobrigados. O Colendo Tribunal já havia firmado a tese de que a RJ do devedor principal não impediria o prosseguimento das ações movidas contra os coobrigados, pelo rito dos recursos repetitivos, no REsp n° 1.333.349. A questão, no entanto, permaneceu em aberto na hipótese de o PRJ aprovado conter cláusula expressa de extensão da novação de crédito aos coobrigados.


A discussão foi complexa e o voto foi proferido por maioria. De acordo com a Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp n° 1.794.209, a referida cláusula, apesar de válida, somente se estende aos credores que expressamente a aprovaram, não sendo essa eficaz àqueles que não participaram da AGC, que se abstiveram de votar ou que se posicionaram manifestamente contrários a ela.

Nesse sentido, a partir do entendimento consolidado do STJ, o que se observa é que a determinação do artigo 59, de que a novação prevista no Plano de RJ obriga a todos os credores, se refere exclusivamente às obrigações do devedor principal, qual seja, do Recuperando, não se aplicando da mesma maneira aos coobrigados.


Em suma, percebe-se que tanto a sujeição, quanto a novação de créditos, temas extremamente relevantes e necessários no âmbito da recuperação judicial, não são suficientemente delimitados pela letra fria da lei, ainda que essa apresente, por si só, ressalvas importantes.


Por conseguinte, por ser a regulação desse instituto não apenas legal, mas também jurisprudencial, a recuperação judicial deve ser analisada conforme as especificidades de cada caso concreto, não devendo os tribunais olvidarem de se posicionar conforme os entendimentos firmados pelo STJ.


Luísa Diniz é graduanda em Direito pela Universidade de Brasília e membro Ferreira e Chaves.

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